quinta-feira, janeiro 28, 2010

Sentavas-te no teu quarto,
enquanto lias historias e eu cantava para ti.
Deixavas o suor que te escorria pelo rosto para mim,
enquanto lá fora voavam castelos de ferro,
pelas sombras de uma brisa de verão.
Escolhias histórias que deixavas em mim,
desenhando-as como tempos de outros tempos.
Banhavas-te na luz de Agosto que te entrava pela janela.
Beijavas as estrelas que me cobriam a face,
enquanto dançavas na noite de mais um mês de Agosto.
Nadavas no vento, cantavas para as ondas,
corrias nos momentos que ficavam para mim.
Beijávamos a terra que nos cobria os pés agora negros,
beijávamos os pássaros que explodiam no ar.
No fim lá estavas tu,
querendo amar aquele Agosto,
aquele Agosto que iria ficar em mim.

Não sei porque te escrevo se nunca o irás ler.
Não sei porque te amo se nunca me irás ter.
Algures passam eles apressados,
como sombras esquecendo os dias que passam.
Passam apressados,
correm apressados,
ficam apressados os corações que os levam.
Perco-te no tempo,
enquanto passam apressados,
deixam as sombras como rastos,
as sombras que os querem.
Não sei porque te escrevo,
não sei porque te amo,
não sei porque te deixo.
No fim ficamos sós.
Já fomos dois,
dois corpos suados,
que dançavam nas noites quentes de mais um verão.
Fomos nós, fomos sós.
Resto eu, sem nós,
resto eu, só.

o teu olhar, o que me lembro dele
perdia-se entre livros que se perdiam em mim.
o teu olhar, o que me lembro dele,
eram os dias simples que trazias para mim.
partilhavas o teu perfume com os livros,
com os livros que dançavam nos meus dedos frios.
o teu olhar, o que me lembro dele,
eram passados, retratos,
eram danças de outros,
eram sombras do corpo.
perdias-te nas palavras que cantavas para mim,
perdias-te nos dias que ficavas sem mim.
quero-te tanto, quero-te aqui.
guardo-te em mim, para que te lembre assim.
guardo o teu olhar, o que me lembro dele,
guardo-te pelos dias que perdi para ti.

O teu olhar é tudo o que resta de mim,
tudo o que resta é o arrependimento e a mágoa que ficou.
Resta-nos o tempo de ficar, de sair sem partir.
Resta-nos partir dos que ficam sem ti.
Restam-nos as noites de suor e beijos frios,
restam-nos as cidades que tomamos como castelos,
castelos presos no vento,
no vento,
no tempo,
presos no cabelo que como seda caía em mim.
No fim fica o pó que se acumula sobre mim.
Se te perdesse nas ruas,
numa cidade,
ficavas tu nos cinzas do passeio,
no que seca nas ruas nos dias sem ti.
o que chove assim num dia em que decidimos ficar.
Ficamos nos dias que estariam para vir.
Ficamos sem ti,
ficamos sem ti,
enquanto te perco aqui.

Fingir que está tudo bem,
fingir que não tenho o corpo rasgado,
fingir que não estás lá,
lá dentro de mim, perto de mim,
dentro de mim, sem mim.
Passam todos, passam os dias
as horas, as horas de ficar,
as horas de deixar dos dias que se perdem sem mim.
Ficamos os dois, contigo sempre dentro de mim,
enquanto atiramos os corpos nus,
na chuva sem querer,
nos dias sem te ver.
Eles correm e sabem
que o que fica não se deixa,
que o que fica não agarra,
o que fica não se deixa.

domingo, janeiro 17, 2010

Os homens pintavam a noite outrora pintada por luzes que corriam na cidade. Eram os tempos do nada, do vazio que nos enchia o peito de ar, que nos queria na noite. Eram os tempos quando já não existia tempo, quando já não existia nada. Via os corpos que se arrastavam nas ruas, carregando objectos roubados aos que ficavam para trás.
Deixara de entender o mundo e o tempo. As noções que adquirira há anos atrás, eram meras cinzas que poisavam nas ruínas das cidades. As cidades tinham dado espaço a longas ruínas de metal e betão, com as cinzas que as cobriam como um leve manto de seda. Os homens deixaram também de o ser. Eram corpos que se arrastavam nos dias e noites frias procurando por sobreviver. Como que farrapos humanos, aquela gente que já não o era e que percorria as estradas agora sem carros.
As noites eram sempre o pior. Restavam-me alguns livros que guardava junto a mim e alguns farrapos que usava para que aquecer. Os livros, ou o que restava deles, era tudo o que me restava do mundo quando ele ainda o era. Restavam-me as palavras que dançaram em tempos, suaves por entre os lábios. As palavras que bebiam dos dias, que bebiam das noites e dos tempos que teimavam em ficar.
Viam-se ao longe as chamas dos incêndios que faziam agora o mundo. Eram as sombras que procuravam os homens já sem forças para lutar. Eram as sombras que traziam estes dias sujos e sombrios. Com esta chuva maldita que tamborilava sobre os plásticos que me cobriam quando queria descansar. Era das sombras a noite que fazia agora os dias. A noite que sujava as faces e que trazia este cinza que todos carregávamos dentro de nós.

O que me resta em mim

Restam-me os prédios que ardem sem cessar.
Restam-me os dias dos dias que ficaram por passar.
As ruas são meras histórias que correm por mim,
são os tristes acasos que fogem de mim,
são os dias, as noites, os beijos no rosto
são as tristes historias dos tristes que partem.
As ruas são o que deixaste para mim,
o que deixaste para escrever.
Sonho pelos dias que deixaste escritos algures para mim,
enquanto as sombras me tocam,
enquanto as sombras me beijam com um beijo frio.
Deixaste-me os sons que fogem no vento,
que fogem duma boca que cega,
que fogem duma boca que dança por mim.
Deixaste-me as músicas que me beijam os lábios,
lábios esses que não quiseste em mim.
Segues por castelos sem fim,
pelas nuvens cinza dum dia por fim.
A noite chega e deixas-me aqui,
aquecendo os lábios numa chávena de café,
enquanto as luzes riscam a noite,
riscam a noite escura como uma tela por pintar.
Deixas-me na noite,
beijas-me na noite.
Na noite que é o que me resta em mim.
Na noite em que nunca te vejo aqui.

quarta-feira, janeiro 06, 2010

Nós nunca mais seremos nós.
Seremos o que alguém deixou para trás
um rasto na noite, um beijo no vento.
Nós nunca mais seremos nós,
nunca mais estaremos sós.
Tive muitos dias em que fomos apenas nós,
e dias em que estávamos sós.
No início tivemos os fins de tarde,
que passávamos com uma mão pela face.
Quando já éramos outros que não nós,
partilhámos as noites sem fim.
Partilhávamos um doce que nos beijava os lábios frios,
partilhávamos momentos que queríamos ter.
Quando chegou o tempo de já não sermos nós,
eis que sós nos encontramos assim.
Perdemos-nos nas loucuras dos dias frios.
No Inverno de mim,
no Inverno sem fim.
Bebia os beijos quentes nos dias em que nunca fomos nós.
E agora resto eu,
só, sem nós.
E eis que estamos sós.
Perco-me sempre sem nós,
perco-me sempre quando estamos sós.
Beija-me nos dias que faltam para mim,
beija-me nos dias que faltam sem mim,
beija-me por fim nos dias assim.

sábado, janeiro 02, 2010

Escrevi-te assim num dia qualquer.
Como os outros que não eram nossos,
mas dos outros que ficavam para trás.
Vi-te nos tempos que eram teus
e dos amantes que ficavam por mim e saiam de mim.
Eras a chuva forte dos dias que sem mim partiam assim.
Passavas nos beijos dos outros,
nos sonhos dos outros,
no futuro dos outros.
Eras o beijo quente de dias passados,
esquecidos,
perdidos.
Eras o beijo quente por quem chorava e gritava,
nos espaços que deixavas em branco.
As sombras,
as sombras gritavam o teu nome ao vento,
gritavam o teu nome ao tempo que corria por mim.
Chovias nos meus dedos,
nos meus cabelos que secavam por fim.
Chegava assim,
o fim dos nossos dias,
das chuvas sem fim, dos beijos sem mim.
Beijo-te então para partir,
para esquecer.
Beijo-te para que fiques em mim
sem te nunca esquecer.