domingo, janeiro 17, 2010

Os homens pintavam a noite outrora pintada por luzes que corriam na cidade. Eram os tempos do nada, do vazio que nos enchia o peito de ar, que nos queria na noite. Eram os tempos quando já não existia tempo, quando já não existia nada. Via os corpos que se arrastavam nas ruas, carregando objectos roubados aos que ficavam para trás.
Deixara de entender o mundo e o tempo. As noções que adquirira há anos atrás, eram meras cinzas que poisavam nas ruínas das cidades. As cidades tinham dado espaço a longas ruínas de metal e betão, com as cinzas que as cobriam como um leve manto de seda. Os homens deixaram também de o ser. Eram corpos que se arrastavam nos dias e noites frias procurando por sobreviver. Como que farrapos humanos, aquela gente que já não o era e que percorria as estradas agora sem carros.
As noites eram sempre o pior. Restavam-me alguns livros que guardava junto a mim e alguns farrapos que usava para que aquecer. Os livros, ou o que restava deles, era tudo o que me restava do mundo quando ele ainda o era. Restavam-me as palavras que dançaram em tempos, suaves por entre os lábios. As palavras que bebiam dos dias, que bebiam das noites e dos tempos que teimavam em ficar.
Viam-se ao longe as chamas dos incêndios que faziam agora o mundo. Eram as sombras que procuravam os homens já sem forças para lutar. Eram as sombras que traziam estes dias sujos e sombrios. Com esta chuva maldita que tamborilava sobre os plásticos que me cobriam quando queria descansar. Era das sombras a noite que fazia agora os dias. A noite que sujava as faces e que trazia este cinza que todos carregávamos dentro de nós.